RASTROS DE LUZ, 2021

Site-specific, fuligem sobre parede, plantas, copos, cerâmica, pedra e semente de pau-brasil

Rodriguez Remor: Começamos a querer desenhar com a vela e então percebemos que era quase controlável. Acendíamos uma vela próxima a parede branca e ela deixava um rastro super reto e alto. Misteriosamente uma outra vela acessa naquela mesma parede, talvez, não sabemos se em função do vento, o rastro não ficava tão reto, não subia tão alto. Tanto que foi uma dificuldade executar esse trabalho agora na galeria, para a exposição. Tudo foi feito à distância… Construímos uma maquete detalhada… Alguns trabalhos ficaram lá logo depois da residência, outros finalizamos aqui no Mirante Xique-Xique e despachamos por correio… Mas as instruções para a execução do desenho não funcionaram. Tem várias coisas que fogem ao controle. Por exemplo, quando você está fazendo os desenhos com a fuligem, o vento é que determina a direção desse desenho. Como também o próprio vento, quase imperceptível, que produzimos ao circular por um ambiente. Estamos sempre atuando nas correntes de ar dos espaços internos. Então fico pensando ali na galeria, que o desenho tomou uma proporção muito diferente do que imaginamos… qual era a corrente de ar que tinha ali dentro? Como foi a circulação de pessoas nos dias de produção da instalação… Quando fizemos esse desenho na residência, estávamos sempre próximos, observando… E isso de trabalhar com a vela, foi uma contingência. Quando acendíamos as luzes do ateliê da Estação, sentíamos a luz muito alta, sabe? A noite lá fora estava muito escura… Então começamos a pensar que seria legal ter velas para iluminar… Fomos procurar velas lá dentro e haviam muitas… Os monges talvez tivessem deixado… Foi um total acaso trabalhar com esse material. Decidimos então que usaríamos as velas todas as noites, para poder ficar lá dentro e admirar o céu ao mesmo tempo. E tem também essa coisa da luz artificial… e como estávamos ali no cume da montanha… a luz forte atraia muitos insetos. Este foi nosso recurso para termos menos insetos dentro da casa. A vela deixava o ambiente mais tranquilo, seguro e nos conectou com o céu do exterior – que era magnífico!

Josué Mattos: É bonito observar esse ponto de luz sendo gerado pelo fogo. A invocação ao fogo, o agni, na tradição dos Vedas, aquele que extingue e gera vida com a mesma potência – é também metáfora para a consciência. Entre as formas de vida, é a forma humana a quem a consciência espiritual é fornecida como uma maneira de elaboração do que é, por exemplo, o cume do processo do zazen, o cume de processos espirituais… Na verdade, a única responsabilidade da forma humana é estabelecer vínculo com algum processo espiritual genuíno, no fundo. Aos animais este compromisso não está em jogo. Aos animais o processo se resume a nascer, morrer, se reproduzir e se proteger. Por outro lado, o domínio do fogo é uma das conquistas da consciência humana, em muitas partes do mundo associada a processos de elevação da consciência. Então, trazer para dentro do trabalho um feixe de luz consiste em estabelecer contato com este rastro primordial da consciência, de modo a considerar a consciência como um estado meditativo que convive constantemente com o valor perene da vida e sua parcela de fugacidade. E eu acho que a vela promove muito essa reflexão porque ela é esse ponto de luz que existe enquanto há corpo para consumir. O que equivale ao ato de respirar. O nosso ato de respirar é possível enquanto temos corpo para consumir. Cada respiração é uma necessidade vital e é um passo em direção ao desaparecimento da existência temporária do corpo e da mente. Acho bonito considerar a residência que vocês fizeram dentro de um mosteiro budista, porque, talvez, levado a outras circunstâncias, um trabalho dessa natureza não tivesse abertura para esse tipo de consideração, o que leva a pensar a vela como a presença de um corpo sendo consumido enquanto emana luz e difunde luz. Ou, da fuligem como o vestígio desse corpo que passou e deixou marcas na paisagem.

Os artistas e curadores Elaine Tedesco, Gabriela Motta, Denise Adams e Josué Mattos dialogaram com o duo RodriguezRemor sobre os trabalhos da exposição Fagulha Perdida em Meio ao Fogo, em conversas privadas na plataforma Zoom com a duração de 108 minutos – número da representação divina para muitas culturas orientais. Essas conversas aconteceram durante o primeiro mês da exposição, apresentada na OÁ Galeria, entre 8 de abril e 8 de junho de 2021.

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2024 © Denis Rodriguez e Leonardo Remor
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